Era uma sessão de terapia.
“Não tenho tempo para educar minha filha”, ela disse.
Um psicanalista ortodoxo tomaria essa deixa como um caminho para a exploração do inconsciente da cliente. Ali estava um fio solto no tecido da ansiedade materna. Era só puxar o fio… Culpa. Ansiedade e culpa nos levariam para os sinistros subterrâneos da alma. Mas eu nunca fui ortodoxo. Sempre caminhei ao contrário na religião, na psicanálise, na universidade, na política, o que me tem valido não poucas complicações.
O fato é que eu tenho um lado bruto, igual àquele do analista de Bagé. Não puxei o fio solto dela. Ofereci-lhe meu próprio fio.
“Eu nunca eduquei os meus filhos…”, eu disse.
Ela fez uma pausa perplexa.
Deve ter pensado: “Mas que psicanalista é esse que não educa os seus filhos?”. “Nunca educou os seus filhos?”, perguntou.
Respondi: “Não, nunca. Eu só vivi com eles”.
Essa memória antiga saiu da sua sombra quando uma jornalista, que preparava um artigo dirigido aos pais, me perguntou: “Que conselho o senhor daria aos pais?”.
Respondi: “Nenhum. Não dou conselhos. Apenas diria: a infância é muito curta. Muito mais cedo do que se imagina os filhos crescerão e baterão as asas. Já não nos darão ouvidos. Já não serão nossos. No curto tempo da infância há apenas uma coisa a ser feita: viver com eles, viver gostoso com eles. Sem currículo. A vida é o currículo. Vivendo juntos, pais e filhos aprendem. A coisa mais importante a ser aprendida nada tem a ver com informações. Conheço pessoas bem informadas que são idiotas perfeitos. O que se ensina é o espaço manso e curioso que é criado pela relação lúdica entre pais e filhos”.
Ensina-se um mundo! Vi, numa manhã de sábado, num parquinho, uma cena triste: um pai levara o filho para brincar. Com a mão esquerda empurrava o balanço. com a mão direita segurava o jornal que estava lendo… Em poucos anos, sua mão esquerda estará vazia. Em compensação, ele terá duas mãos para segurar o jornal.
Rubem Alves, em Ostra feliz não faz pérola
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