Nunca estamos contentes
Mundo, se te conhecemos,
Porque tanto, desejamos, teus enganos?
E, se assim te queremos,
Muito sem causa nos queixamos de teus danos.
Tu não enganas ninguém,
Pois a quem te desejar vemos que danas;
Se te querem qual te vem,
Se, se querem enganar, ninguém enganas.
Vejam-se os bens que tiveram
Os que mais em alcançar-te, se esmeraram;
Que uns, vivendo, não viveram,
E os outros, só com deixar-te, descansaram.
E se esta tão clara fé
Te aclara teus enganos, desengana;
Sobejamente mal vê
Quem, com tantos desenganos, se engana
Mas como tu sempre morres
No engano em que andamos e que vemos,
Não cremos o que tu podes,
Senão o que desejamos e queremos.
Nada te pode estimar
Quem bem quiser estimar-te e conhecer-te;
Que em te perder ou ganhar,
O mais seguro ganhar-te é perder-te.
E quem em ti determina
Descanso poder achar, saiba que erra;
Que sendo a alma divina,
Não a pode descansar nada da terra.
Nascemos para morrer,
Morremos para ter vida, em ti morrendo.
O mais certo é merecer
Nós a vida conhecida, cá vivendo.
Enfim mundo, és estalagem
Em que pousam nossas vidas, de corrida;
De ti levam de passagem
Ser bem ou mal recebidas, na outra vida.
Luís Vaz de Camões
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