segunda-feira, 16 de julho de 2012

nunca estamos contentes

Nunca estamos contentes

Mundo, se te conhecemos,
Porque tanto, desejamos, teus enganos?
E, se assim te queremos,
Muito sem causa nos queixamos de teus danos.

Tu não enganas ninguém,
Pois a quem te desejar vemos que danas;
Se te querem qual te vem,
Se, se querem enganar, ninguém enganas.

Vejam-se os bens que tiveram
Os que mais em alcançar-te, se esmeraram;
Que uns, vivendo, não viveram,
E os outros, só com deixar-te, descansaram.

E se esta tão clara fé
Te aclara teus enganos, desengana;
Sobejamente mal vê
Quem, com tantos desenganos, se engana

Mas como tu sempre morres
No engano em que andamos e que vemos,
Não cremos o que tu podes,
Senão o que desejamos e queremos.

Nada te pode estimar
Quem bem quiser estimar-te e conhecer-te;
Que em te perder ou ganhar,
O mais seguro ganhar-te é perder-te.

E quem em ti determina
Descanso poder achar, saiba que erra;
Que sendo a alma divina,
Não a pode descansar nada da terra.

Nascemos para morrer,
Morremos para ter vida, em ti morrendo.
O mais certo é merecer
Nós a vida conhecida, cá vivendo.

Enfim mundo, és estalagem
Em que pousam nossas vidas, de corrida;
De ti levam de passagem
Ser bem ou mal recebidas, na outra vida.

Luís Vaz de Camões

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