segunda-feira, 16 de março de 2015

Música e Palavra

"Você precisa se habituar às notas, e depois esquecê-las"  
(Professor Parker a David Helfgott, em "Shine")


Uma mente saturada, transbordante de memórias.

Não parece assim nosso pensamento hoje? Palavras que se acumulam entre as curvas das emoções e que, por serem tantas, muitas delas se perdem por aí. Ficamos poluídos de 'desnecessidades'. Como organizar isso? Como sugar ou desapegar-se do que não precisa para sermos o que realmente somos?

A música e as palavras tornam-se imprescindíveis em minha vida, hoje (na real sempre foram, eu que estava cega e surda) não evito comparar embora ambas tratem do ato de criação.


Em Clarice Lispector, o escrever vai além da linguagem apreendida pelas palavras, pois as palavras em si se desgastam. As palavras são atravessadas de silêncio. O silêncio fala.... elas calam.


Há algo na Música que nos dá uma sensação de alteridade. Como se nos observasse de longe. Vivemos entre a música e a palavra, já que a música expressa o intraduzível pela palavra.


A música como Psicanálise parecem transitar entre as "coisas como realmente elas existem" ou "fatos como eles realmente são".


Para Freud, é“algo que não podemos saber o que é, mas...acontece”


Um cantor, intérprete, porquanto passa o tempo, já não percebe-se o cantar bem, mas o jeito que 'pega' as palavras e as coloca sobre as notas da melodia do jeito só dele. (João Gilberto) Como numa sessão de análise. O paciente é cada vez mais ele.



Não consigo evitar de emaranhar a música e a psicanálise, elas estão em mim, no meu jeito de ser e de 'ver' o lado de fora. Elas ajudam-me a estar no Outro e sentir através do Outro o que talvez nem possa dizer. Nada de poder, onipotência ou o diabo.... que seja.






Na música há a profundidade das tensões, das pulsões, construção de imagens musicais que traduzem as palavras não ditas mas sentidas. Para que exista precisa ser ouvida. Para que seja compreendida é preciso que seja 'esquecida'. Mas.... ruminada e principalmente.... amada.






A Música(lidade) ocupa o vazio inerente a nós, mas não assim.... magicamente. Constrói-se com a escuta do Outro, da voz (como instrumento) promovendo o além do sintoma, essa é a possibilidade nova, advinda da criação da junção de uma escuta com o sentido de quem escuta.

Que silencia nesse momento? Sim.

O musico que interpreta e deixa livre o que toca para ser democraticamente liberto da partitura e dele próprio, talvez seja a pessoa fundamental em tudo isso. Pois ele é o libertador de algo que pode para sempre ficar preso e amarrado ao passado.






Somos "penetrados" por sons, objetos sofisticadamente articulados e relacionados. Em psicanálise, por palavras e sua "música" latente? Processo de conhecimento (Klein, 1946; Bion, 1962b)






E... O mais transbordante de tudo isso é que todos, compositor, intérprete e ouvinte, modificam todo e qualquer sujeito envolvido nesse ato.






Portanto, que se faça música, sempre!


Que conte a história antes de ser história.


Que ninguém impeça da música ser música.


Pois nem o tempo pode com ela.








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